Tecnologia “verde”: mais uma razão porque precisamos do rendimento básico incondicional
(crédito da imagem: Sunpower)
A segurança é um assunto crucial. Sem um sentimento de segurança, não pensamos direito, não nos ligamos tão bem, e não nos alinhamos com os nossos valores nucleares. Se não estamos em segurança, não nos sentimos seguros, e se não nos sentimos seguros, cresce o medo dentro de nós. E com o medo vem a desconfiança, a ansiedade e o stress. E todos estes sentimentos tornam difuso o processo de decisão.
Com este curto ensaio proponho averiguar a seguinte hipótese: com um mínimo nível de segurança, as pessoas tomam melhores decisões. Em particular, irão investir mais em tecnologia “verde”, que atualmente é ainda demasiado cara para muitas pessoas. Mas antes de entrar em quaisquer detalhes, talvez nos devamos questionar: mas o que é que as pessoas querem, afinal? Querem mais férias? iPhones? Melhores salários? Parece que, a um nível mais profundo, o que as pessoas querem não é nada disso.
De acordo com um questionário internacional, criado e administrado pela associação Together, as pessoas querem o seguinte:
Economia
Garantia de poder de compra e segurança financeira para todos
Redistribuição de riqueza para maior igualdade
Promoção de trocas e de circulação de bens, sem troca de moeda
Fim do consumismo desenfreado, especialmente quando os produtores sofrem com os baixos salários
O desenvolvimento de um sistema económico estável e descentralizado
Uso da tecnologia para o bem-estar e conforto de todos
Governança
Pobreza zero, exclusão zero e carbono zero
Afirmação e implementação dos princípios da coresponsabilidade
Emancipação de todos e desenvolvimento de relações de confiança, liberdade e igualdade; remoção de leis, regulamentos e câmaras centradas no controle das pessoas
Promoção e ensinamento da coresponsabilidade
Promoção da participação cívica de todos, independentemente do seu papel na sociedade
Democracia
Dar um lugar próprio à participação cívica e à democracia direta
Melhorar a democracia representativa e abolir a ditadura
Aproximar os representantes eleitos dos cidadãos
Desenvolver uma ética na democracia
Aprender a construir em parceria as medidas políticas, envolvendo diferentes atores, perspetivas diferentes, talentos e capacidades
Conferir poderes adequados aos decisores políticos, garantindo que estes cumprem as promessas que tenham feito
Transparência nas ações do governo
Firmeza e imparcialidade na justiça
Simplificação da administração e na legislação, bem como melhoramentos na logística das organizações
Medidas para dar apoio às populações, particularmente no acesso às necessidades básicas; ampliação do estado social
Fim da verborreia nos media, o que aumenta o racismo e a insegurança
Ambiente
Mudança na relação com o ambiente, plantas e animais
Redução da pressão populacional
Garantir uma rápida transição energética
Combate ao desperdício
Combate à poluição
Modos de produção mais naturais e em pequena escala
Limpeza do espaço público, em modo de corresponsabilidade
Gestão do espaço
Manutenção e proteção da biodiversidade
Preservação e desenvolvimento de áreas de produção agrícola como jardins familiares e comunitários
Arranjo do espaço de forma a torná-lo mais amigo do utilizador, facilitando a vida comum, o multiculturalismo, a criatividade e novas ideias
Adaptação das estradas públicas para a utilização de todos, reduzindo tráfego e garantido a segurança
Tornar a cidade um agradável bem comum
Gestão do tempo
Aumento do tempo disponível para as pessoas e melhoramento da gestão do tempo
Aumento do tempo disponível para a família
Promoção do voluntariado permitindo aos candidatos obter serviços comunitários e reconhecendo espaços de voluntariado
Sociedade
Melhoria de oportunidades para viver junto e aprender com outras pessoas
Eliminação e proibição de todas as formas de descriminação e racismo em todas as áreas, incluindo a do emprego
Evitar todas as formas de violência, perturbação e guerra, bem como a erradicação de toda a violência física
Facilitar o trabalho em rede e a comunicação entre organizações e indivíduos
Manutenção de comportamentos éticos e de respeito, em prol do funcionamento democrático
Alteração de comportamentos para encorajar a vivência em comum e o respeito mútuo
Desenvolvimento de uma cultura comum, qualquer que seja a religião individual
Solidariedade para com pessoas excluídas e/ou vulneráveis, para que todos se sintam bem
Receção de imigrantes e refugiados, bem como sem-abrigo
Mais cuidado com os pobres, adotando estratégias a montante para combater a pobreza
Mais ajuda aos desfavorecidos, incluindo crianças e aqueles que são pobres e solitários
Estes resultados derivam da aplicação de uma metodologia específica, o Método Espiral, que tem sido aplicada em mais de 20 países, envolvendo mais de 120,000 pessoas1. Porquanto esta será apenas uma pequena amostra de toda a humanidade, é grande o suficiente para ser levada muito a sério. Se estes resultados têm algum significado, assumo, é de que as pessoas iriam preferir investir em tecnologias que pudessem baixar o impacto ambiental sobre o planeta – se pelo menos tivessem dinheiro para tal. E ter dinheiro tem sido, de facto, um verdadeiro problema no Portugal contemporâneo. Como se pode observar na Figura 1, as pessoas têm vindo a perder poder de compra sistematicamente nos últimos anos, exceto uma percentagem minúscula de pessoas. Ao mesmo tempo, e conforme esperado, a desigualdade tem subido (Figura 2).
Figura 1 – Poupanças individuais em Portugal, % do PIB
Figura 2 – Desigualdade de rendimentos em Portugal (quociente entre o rendimento médio dos 20% mais ricos e dos 20% mais pobres
Isto, claro, também é espelhado no crescente número de pessoas pobres a viver em Portugal (Figura 3). Estas pessoas poderão receber almoços grátis (sim, aparentemente estes existem) se provarem que são pobres – são assim as coisas atualmente – mas, escusado será dizer, é muito mais difícil obter um painel solar ou um veículo elétrico, por exemplo, só por ser pobre.
Figura 3 – Risco de pobreza em Portugal, %2
A questão é: iriam estas pessoas (ou a maior parte de nós, para este efeito) efetivamente comprar estas coisas, se tivessem o dinheiro necessário? Qualquer resposta direta será, obviamente, mera especulação, já que é impossível conduzir uma experiência nesse sentido, tendo em conta o modo de funcionamento atual. Mas talvez possamos olhar para o que as pessoas que realmente podem comprar tecnologias “verdes” estão a fazer com o seu dinheiro. A Figura 4 e Figura 5 mostram um par de tendências de investimento em veículos elétricos e painéis fotovoltaicos em anos recentes.
Figura 4 – Geração de energia solar e geotérmica no mix energético, em toneladas equivalentes de petróleo (tep)
Figura 5 – Número de veículos elétricos vendidos em Portugal
Um breve olhar para estes gráficos mostra claramente tendências crescentes na aquisição destes produtos. No caso dos painéis fotovoltaicos, a Figura 4 refere-se à energia produzida, mas uma maior produção está naturalmente ligada à maior quantidade de painéis instalados. Isto acontece mesmo durante o advento da austeridade, da qual a sociedade Portuguesa é vítima.
De acordo com um inquérito realizado em 2012, a habitação e outras propriedades compõem cerca de 81% de todos os ativos3 pertencentes à parcela das 25% das famílias mais pobres, com os veículos motorizados a compor 18%. Isto quer dizer, basicamente, que estas famílias não são proprietárias de mais nada (ou quase). Ao mesmo tempo, as mais ricas 10% das famílias detêm 71% dos seus ativos na forma da sua casa e outras propriedades (30% do qual na casa própria), 25% em negócios e 2,2% em veículos. É ainda de notar que, de acordo com o mesmo inquérito, 91% das famílias mais ricas (10%) possuem veículos e 20% possuem outros valores, comparando com 39% em posse de veículo e 5% em outros valores, para as 20% famílias mais pobres. Estas diferenças são também espelhadas na estrutura de valor destes ativos: uma família rica típica (pertencente aos 10% mais ricos) possui um valor médio de 17 300 € em veículos motorizados, enquanto as 20% mais pobres possuem veículos num valor médio de 2000 €. Noutros ativos, as diferenças são ainda mais extremas, com as famílias mais ricas possuindo uma mediana de 17 500 €, enquanto as mais pobres possuem apenas 300 €. Finalmente, 90% das famílias possuem em veículos e outros valores uma mediana de 13 000 €, o que é cerca de 37% do valor que as 10% das famílias mais ricas possuem nestes artigos (em valores medianos).
O que isto tudo quer dizer é que, com exceção de 10% das famílias mais ricas, e talvez algumas das 20% mais ricas, ninguém tem dinheiro para comprar veículos elétricos, que custam em média 33 400 € (com baterias de durabilidade média de 7 anos), nem painéis fotovoltaicos (micro-sistemas com 4.6 kW custam no mínimo 10 000 €). Tendo em conta este cenário, poderá o rendimento básico incondicional dar às pessoas a oportunidade de adquirir estas tecnologias e contribuir para a solução da crise climática?
De acordo com um estudo de viabilidade do RBI para Portugal, um pagamento de 435 €/mês para todos os adultos iria gerar aumento líquido de rendimento para qualquer pessoa ganhando um valor bruto de 1200 €/mês ou menos. No entanto, esse aumento apenas será verdadeiramente significativo (após impostos) para aqueles sem qualquer rendimento, ou próximo disso. Claro que um RBI de 435 €/mês apenas irá possibilitar a uma pessoa cobrir as suas necessidades básicas, como alimentação e habitação – não para comprar carros elétricos ou painéis fotovoltaicos.
Seria, no entanto, uma forma de colocar mais dinheiro na mão das pessoas que estão neste momento a consumir menos do que deveriam, tendo em conta as suas necessidades básicas. E isso irá implicar maior atividade económica, em particular ao nível local. Isso, por sua vez, irá fazer aumentar a circulação monetária, e eventualmente permitir a acumulação necessária a algumas famílias para adquirir estas ditas tecnologias verdes. Outra possibilidade é a congregação de pessoas em condomínios, associações de vizinhos ou cooperativas, reunindo os seus RBIs (ou quaisquer valores extra que consigam obter, considerando a existência do RBI). Deste modo poderiam adquirir os equipamentos através destes fundos comunitários, gerindo-os coletivamente. Além disto, o custo destes produtos está a baixar. Isto é particularmente verdade para os painéis fotovoltaicos, cujo preço caiu até 75% desde 2009, e é expectável que continue a tendência descendente. A perspetiva para os veículos elétricos é mais incerta, mas devido a evoluções tecnológicas, bem como à maior procura, é de prever que os preços destes últimos também baixem nos próximos anos (Joana Balsa, 2013).
A relação entre RBI e o aumento da compra de tecnologias de baixo impacto ambiental não é óbvia, pelo menos relativamente aos produtos em causa nesta breve análise (painéis fotovoltaicos e veículos elétricos). No entanto, foram dadas algumas pistas que apontam para fatores que poderão conduzir a um crescimento dessa aquisição, dada a implementação de algo semelhante a um RBI em Portugal. Por outro lado, é claro que as opções para reduzir o impacto ambiental não se resumem à aquisição de painéis fotovoltaicos e veículos elétricos. Há muitas outras possibilidades ao dispor, e a custos muito mais reduzidos, como a substituição de lâmpadas pouco eficientes por LEDs, utilizar a bicicleta ou mesmo reduzir a ingestão de carne (aumentando a dieta de vegetais).
Notas:
1 – Mais informação sobre o método de recolha de dados e respetiva plataforma pode ser obtida aqui (em Francês).
2 – Percentagem de pessoas a viver na pobreza ou em risco de pobreza.
3 – Ativos não financeiros.
Mais informação em:
Sónia Costa, Luísa Farinha, “Inquérito à situação financeira das famílias: metodologia e principais resultados”, Occasional paper 1, Banco de Portugal, 2012
Miguel Horta, “RBI financiado pelas pessoas ”, outubro 2015
NOCTULA, Consultores em ambiente, “Energias renováveis: a revolução do preço da energia solar”, agosto 2015
Joana Balsa, “Avaliação do impacto da introdução de veículos elétricos na procura de combustíveis em Portugal”, Tese de Mestrado, Universidade de Coimbra, setembro 2013
Fundação Manuel dos Santos, PORDATA – Sítio da Internet da Base de dados Portugal Contemporâneo
Sónia Peres Pinto, “Há cada vez mais carros elétricos em Portugal”, SOL Economia, 19 de maio 2016
Associação Utilizadores de veículos elétricos, “O Mercedes Plug-In C350e da Mercedes, foi o veículo elétrico mais vendido em junho de 2016”, 6 de agosto 2016
INE – Instituto Nacional de Estatística, sítio da Internet
TOGETHER – territórios de coresponsabilidade, sítio da Internet
André Coelho
Engenheiro / engineer: Ecoperfil, Sistemas Urbanos Sustentáveis Lda.
Músico / musician: Contaminado, MPex
Ativista / activist: RBI Portugal (+ blog RBI), Architects and Engineers for 9/11 Truth, Basic Income News