Debate: Louçã, Merrill & Bizarro versus RBI
Corre por estes dias um debate público em torno da proposta conhecida pelo nome de Rendimento Básico Incondicional – “RBI” -, opondo Francisco Louçã, crítico da ideia, a Roberto Merrill, apresentado como porta-voz de um movimento que a defende, e Sara Bizarro.
Quem está a ganhar e quem está a perder neste debate? Ganham todos e perde a causa do "RBI”.
Francisco Louçã ganha porque aproveita para fazer uma campanha eficaz de oposição à ideia. Baseando-se no argumento de que o RBI é impossível de financiar, argumento que os seus interlocutores nem sequer tentam rebater, Louçã sucede em, perante a sua plateia, os reduzir à condição de sonhadores ingénuos, inconsequentes e irresponsáveis, na medida em que o é quem propõe o impossível. Louçã consegue assim que quem dependa deste debate para formar uma ideia acerca do “RBI” conclua inevitavelmente que, boa ou má nos princípios, a proposta não merece ser levada a sério por impossibilidade prática.
Roberto Merrill e Sara Bizarro ganham também, porque conseguem espaço na comunicação social e a atenção de Francisco Louçã, que muito lisonjeiam.
Mas a causa do "RBI” perde, porque em substância este debate não tem sido mais do que um campo de equívocos, demagogia e verdades parciais. Tem sido tudo menos esclarecedor.
E o que poderia esclarecer este debate, se fosse conduzido de forma construtiva e competente pelas partes?
Essencialmente, esclareceria que a ideia geral de “RBI” pode ser concretizada em formatos muitíssimo diversos entre si, com todo o tipo de diferentes motivações, consequências e, depois, de custos, exigindo essencialmente a tomada de opções políticas de fundo antes dos exercícios contabilísticos.
Enunciamos alguns desses possíveis formatos:
1 - “RBI” para controlo das populações, como o que foi feito ao longo de séculos na Roma da Antiguidade, com a famosa “política de pão e circo”;
2 - “RBI” para consagrar direitos económicos individuais, como acontece hoje no Alasca;
3 - “RBI” como elemento de uma sociedade que prioriza os indivíduos ao Estado - as liberdades e as iniciativas individuais a esquemas de solidariedade colectiva – como o que propôs Milton Friedman e durante uma década se manteve na iminência de ser implementado nos EUA;
4 - “RBI” como arma contra os actuais vencedores do capitalismo, conforme defendem os que reivindicam o dinheiro das grandes empresas, e apenas destas, e que, a fazer-se, no limite transformaria os actuais derrotados em vencedores mas manteria o sistema de capitalismo em vigor;
5 – “RBI” como solidariedade entre todas as pessoas - fim da luta de todos contra todos, da redução de cada um à condição de vencedor ou de vencido na disputa sem tréguas que caracteriza o actual sistema económico – num regresso ao comunitarismo cooperativo em que todos os homens e mulheres viveram na Terra até à ascensão dos impérios e, principalmente, do império do capitalismo.
Que modelo ao certo debatem Francisco Louçã, Roberto Merrill e Sara Bizarro? Não o dizem, mas os valores de custo em que concordam estarão correctos apenas se estiverem a falar de um “RBI” com o primeiro ou com o quarto dos formatos acima apontados.
O segundo formato não tem aquele custo, porque não tem sequer o objectivo de assegurar o básico a todos. Trata-se de explorar os recursos e distribuir o resultado disso, dê o que der a cada. Obviamente, assim, o financiamento não é um problema.
O terceiro formato também não tem aquele custo. Trata-se, na realidade, de um modelo que não opera por distribuição efectiva de dinheiro a toda a população, mas que, garantindo-o universalmente, apenas o distribui de facto aos que não o tenham já de outras fontes. Evidentemente, garantir um direito universal ao dinheiro não custa o mesmo que entregá-lo efectivamente a todos, exactamente da mesma forma que garantir a todos o direito a, em caso de necessidade, receberem transplantes de coração no sistema público de saúde não custa o mesmo que transplantar efectivamente os corações de toda a população.
O quinto formato opera por transferências entre pessoas, pela construção de uma rede em que todos se apoiam a todos incondicionalmente. Aqui o objectivo é o reconhecimento e a salvaguarda do valor maior da dignidade humana em cada individuo, e o processo de o alcançar é a construção de comunidades fortes e solidárias. Este “RBI” em particular não tem, nem para o Estado nem para os cidadãos, os custos que apontam as partes envolvidas no actual debate. De facto, ele é perfeita e muito facilmente realizável, já hoje, em Portugal. Tentamos mostrar isso aqui: https://www.youtube.com/watch?v=3zQ0YrgY3UQ&t=7s
Miguel Horta