Rendimento Básico Incondicional? É para já!
O RBI não é um brinquedo intelectual, à espera de um guru de economia para descobrir como o realizar, na prática. O RBI é uma política pública capaz – isso é óbvio – de melhorar profundamente a vida das pessoas, de todas as pessoas, que depende de uma decisão política. De um querer, da vontade de construir a esperança.
Quer o leitor construir um futuro decente para os nossos filhos e netos? Então aceite o óbvio e não se deixe intimidar pelo ódio que está todos os dias a ser gerado pela decadência do sistema vigente.
Sem revoluções, é possível fazer crescer a classe média? Sim, tirando da miséria uma parte significativa e envergonhada da população, em grande número trabalhadores cujos salários não dão para sustentar a vida das suas famílias.
Convenceram-nos que a economia e, supletivamente o estado, são quem cuida de nós. Mas a verdade é precisamente a inversa: o óbvio, caro leitor, é que são as famílias quem, de borla, por amor, cuida dos seus. Antes de poderem trabalhar, quando estão em condições de trabalhar e também quando se encontram em dificuldades na vida. A economia externaliza, como eles dizem, os problemas e as dificuldades das pessoas. O estado, mesmo quando se esforça, é incapaz de substituir o amor e a efectividade de cuidados que uma família proporciona. Provam-no as perversidades conhecidas das instituições de ajuda social, que vivem da miséria alheia.
Queremos oferecer às famílias os recursos indispensáveis para criarem condições de prestação de cuidados mútuos? O RBI é um instrumento óbvio: cada um terá, por direito, acesso a um rendimento mensal, em dinheiro, suficiente para fazer uma vida digna. Imediatamente todas as famílias com dificuldades sentiriam o alívio da garantia que jamais teriam de pedir para sobreviver. Nem elas nem nenhuma outra. Todas as crianças estariam fora da miséria em que vivem hoje muitas delas, sem que o estado ou a sociedade façam alguma coisa de útil, comprometendo o bem-estar de toda a sociedade por mais algumas dezenas de anos. É urgente mudar de atitude.
O RBI não é uma pérola dos economistas ou dos políticos: se o fosse já estaria em prática. Ao inverso: o RBI tem por primeiro obstáculo a conversa fiada, a mesma que levou alguns economistas mais capazes de auto-crítica, no auge da crise financeira, manifestarem-se “aterrados”. O RBI precisa tanto de economistas e experiências prévias a demonstrar a sua validade quanto um casal desavindo precisa de advogados para tratar do seu património.
O RBI precisa de uma mudança de atitude das pessoas: o RBI precisa de ser de todos para todos. Um acordo político de mútua entreajuda a nível nacional. Não resolve todos os problemas, mas é a base para que muitos outros problemas venham a ser minimizados ou mesmo a desaparecer.
Cada um e todos disponibilizaremos uma percentagem acordada do nosso rendimento para o fundo RBI e, imediatamente, sem despesas, demoras e outras considerações, o bolo obtido mensalmente seria distribuído em partes iguais por todos. Quem não tenha rendimento, receberia o valor do RBI, como um direito. Quem tenha rendimento médio-baixo, entregaria ao fundo RBI menos do que aquilo que viria a receber (numa simulação com valores de 2012, em Portugal, e uma contribuição de 50% do rendimento para o RBI, quem tivesse rendimentos inferiores a 1200 euros sairia beneficiário; quem tivesse rendimentos superiores sairia contribuidor líquido para o sistema, sendo que os com maiores rendimentos pagariam mais 7% do que actualmente pagam para o IRS).
Todas as pessoas, cada uma delas, entraria nesta lotaria de solidariedade em que todos ganham. As famílias passariam a ser financiadas pelo RBI, com liberdade de cada um entender família junto das pessoas que melhor estejam em condições de cuidar delas. Financiadas pelos rendimentos que a economia reverte para os salários, as rendas, os lucros, os juros, etc.
Para executar um tal plano não é preciso saber se isso funciona para melhor. É evidente que funciona para melhor. E se uma sociedade se manifestar – ao contrário do que acontece hoje – a favor de dar prioridade à solidariedade transparente e sem humilhações, se em vez de entregarmos dinheiro para peditórios cujas finalidades são sempre obscuras – embora haja muita gente de boa vontade – o disponibilizarmos para financiar o trabalho não pago dos milhões de cuidadores que se organizam em famílias, quem duvida de qual seja o resultado?
António Pedro Dores
Professor Auxiliar com Agregação do Departamento de Sociologia e do
Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES/ISCTE-IUL)