Qual é a questão com este assunto do rendimento básico incondicional (RBI)? Porque razão é tão difícil levá-lo para a frente? A razão, parece, está profundamente enraizada na psique humana. Como Will Hutton terá escrito, “os humanos acreditam que a recompensa deverá resultar de um esforço proporcional”. Ora esta é a questão, não será? Hutton argumenta que os seres humanos foram concebidos para relacionar trabalho e ganho, e ponto final. Não há volta a dar. Quem não trabuca, não manduca, como diz o povo. Ora vamos discutir isto.
Se eu for acampar com uns amigos, ficarei satisfeito se todos ajudarem com a cozinha, a limpeza, a montagem das tendas, corte de alguns ramos para a fogueira e por aí fora. E vou protestar se alguém simplesmente ficar sentado enquanto todos os restantes estão a montar o acampamento. Isto é assim porque o trabalho envolvido apenas pode ser realizado por pessoas, pelos próprios campistas, e para o seu próprio benefício. É uma equipa, e é apenas justo que todos os membros da equipa colaborem na preparação do acampamento do qual todos vão beneficiar. Assumamos agora que esta é uma turma de campistas altamente tecnológicos, que trouxeram tendas de montagem automática, um fogão portátil com baterias, um robot de limpeza e um conjunto completo de comida enlatada. Quanto trabalho haveria para distribuir pelos campistas? Talvez apenas colocar as tendas nos seus lugares (estas iriam montar-se automaticamente a partir daí), ligar o fogão e abrir algumas latas. Isso poderia ser facilmente feito por uma pessoa, talvez duas no máximo. E os restantes? Bom, talvez seja melhor que se deixem ficar sentados e cantem algumas canções, o jantar estará pronto brevemente. Não me parece nada errado.
O papel da tecnologia torna-se evidente neste exemplo simples. Os seres humanos não foram concebidos para relacionar trabalho e ganho. Os seres humanos apenas se chateiam se tiverem de trabalhar mais do que precisariam se outras pessoas não estiverem a ajudar. Mas se máquinas estiverem a providenciar essa ajuda, deixa de ser injusto. Além disso, se as máquinas estão a ajudar e não faz sentido estarem seis pessoas a carregar em botões de tendas e a abrir latas, eu não me importo de fazer isso hoje e amanhã outra pessoa irá fazê-lo. E nessa altura vou sentar-me confortavelmente e tocar a minha guitarra, sem o menor sentimento de culpa.
Outra questão é que poderá ser que alguns “humanos acreditam que a recompensa deverá resultar de um esforço proporcional”, mas com certeza não será o caso de todos. Há pessoas que, vivendo de rendas – provenientes de terrenos, casas, ações de corporações ou ativos financeiros – não sentem vergonha, ou culpa, ou qualquer sentido de responsabilidade perante a sociedade. E, no entanto, são humanos. Os seres humanos não são concebidos desta ou daquela maneira. Somos produto do nosso ambiente e de circunstâncias particulares.
Ainda outra questão é a da herança. Não será verdade que todos, e quero mesmo dizer todo o ser humano à face deste planeta, nasce para uma longuíssima linhagem de evolução natural e social? Um recém-nascido não terá de reinventar a eletricidade para poder acender uma lâmpada na sala. Não terá de redescobrir a linguagem escrita para poder comunicar. Não terá de fazer betão a partir do nada para construir uma casa. As sociedades humanas tornam estas riquezas já existentes mais ou menos acessíveis aos indivíduos, mas é inegável que esta riqueza, natural ou social, existe. E está aí para a partilha, tendo crescido e aperfeiçoado ao longo de milhões de anos. O facto de não termos sido capazes de a partilhar durante tanto tempo, como uma sociedade global, é um assunto totalmente diferente. A verdade é que cada um de nós nasce num mundo extremamente rico, sem ter contribuído em nada para tal. Isso não é uma questão para debate, é apenas um facto.
Portanto, quantos argumentos há contra o RBI? A mim parece-me que apenas um. Porque uma vez aceite que todos os seres humanos têm direito a aceder a essa riqueza do mundo natural e de incontáveis gerações passadas de seres humanos, uma pessoa já estará a defender o RBI do ponto de vista moral. Porque não há maneira, seja lá qual for o ponto de vista, de uma pessoa alguma vez realizar um “esforço proporcional” para compensar o que recebe apenas pelo facto de estar vivo. Vamos, portanto, simplesmente passar à frente deste argumento irritante e fundamentalmente errado.
A seguir uma pessoa poderá perguntar-se: ok, o RBI é muito bom. Mas como é que agora o vamos financiar? Sejamos claros, um aspeto financeiro não poderá ser usado como um argumento fundamental contra o RBI. O financiamento tem a ver com distribuição de poder. O dinheiro é um acordo, e as pessoas poderão acordar de outras maneiras. O financiamento é, portanto, um desafio que resulta de vivermos todos juntos em sociedade. Diferentes pessoas têm diferentes perspetivas e sentimentos relativamente às coisas, mas se concordarem entre elas que a distribuição da riqueza social e natural deverá ser realizada por todos, como um direito humano, então o dinheiro irá aparecer nesse sentido. Alguns irão concluir que “por milagre”. Um milagre a partir de uma mentalidade obsoleta, uma consequência natural a partir de uma visão do mundo mais evoluída, expandida e inclusiva.
Uma vez que uma pessoa aceite o RBI do ponto de vista moral e tenha encontrado uma forma de o financiar – o que equivale a juntar uma quantidade suficiente de pessoas que suporte a ideia e desvie ou crie dinheiro para o implementar – ainda se poderá perguntar: mas e se a ideia for capturada pela extrema-direita, que apenas querem acabar com os Comuns, enterrar o Estado Social e privatizar tudo? Isso equivale a perguntar: e se um ditador qualquer captura o poder e transforma uma democracia imperfeita numa perfeita ditadura? Ao que eu respondo: temos de nos manter ativos e conscientes, a democracia não é um sistema escrito na pedra e temos de constantemente o defender e contribuir para este. Tudo pode ser transformado numa arma, para uma mente maldosa. Ou o RBI pode ser transformado numa ferramenta-de-privatizar-tudo para uma agenda da extrema-direita. Esse risco existe sempre. No fundo tudo depende de nós, indivíduos conscientes a defender o RBI e a saber como o financiar, a defesa da democracia em todos os momentos.
O RBI só pode ajudar todas as pessoas se for suportado e implementado democraticamente.
A Teoria da Relatividade foi um trabalho de Einstein, que para se sustentar mantinha entretanto um outro trabalho, rotineiro e banal, num escritório de Berna. O assalto de 1866 ao banco de Liberty, no Missouri, foi trabalho com a marca de Jesse James. Antes da proibição, pela 13.ª emenda à respectiva Constituição, as plantações no sul dos EUA eram mantidas com trabalho escravo. A educação de uma criança é trabalho dos seus pais; o cuidado de um idoso trabalho dos seus filhos. A ida à lua foi um trabalho colectivo de grande engenho e coragem. O trabalho dos judeus em Auschwitz seria libertador, de acordo com o portão. O sucesso de Cristiano Ronaldo é fruto do seu trabalho. Versos de elogio à preguiça são um trabalho do génio de Fernando Pessoa.
A criação do Universo, por Deus ou pela natureza, pode dizer-se trabalho, e o “rolar de bosta” pelo escaravelho até ao buraco no solo de um sertão qualquer, também. Entre estas duas, o trabalho humano cobre todo o espectro de possibilidades.
A diversidade de realidades a que nos podemos referir com a palavra “trabalho” é tão grande que se tornam vãs as qualificações que constantemente se lhe colam com frases feitas: nada do que sobre o trabalho se possa dizer será verdadeiro para todas as formas que ele pode assumir. “O trabalho emancipa”, diz-se; mas emancipa? Algum sim, muito outro não. Diz-se que “trabalhar é contribuir para a sociedade”, mas é? Às vezes sim, mas também há muito trabalho socialmente destrutivo, algum dele até bastante bem pago. Diz-se que nos “realizamos pelo trabalho”, mas realizamos? Só se tivermos a sorte de poder fazer o trabalho certo para nós, porque se não a temos pode ser precisamente a necessidade de trabalhar o que nos afasta de nos realizarmos.
Sendo o trabalho este caleidoscópio de formas tão diversas, o que poderá ao certo querer quem reivindica o “direito ao trabalho”? Poderá querer licença para tentar perceber a natureza praticando ciência? Para se exprimir praticando arte? Para se superar praticando desporto? Para produzir bens ou serviços praticando alguma indústria? Para melhorar a vida de um avô prestando-lhe cuidados? Não exactamente. Quem reivindica o direito ao trabalho pretende fazer qualquer destas coisas, ou um milhão de outras, mas recebendo dinheiro por isso. Principalmente recebendo dinheiro por isso. Pretende um meio de subsistência. Porque trabalho, propiamente dito, não falta: quem apenas quer trabalhar, trabalha sem ter de pedir licença a ninguém. Há hoje, como sempre houve, milhões de cientistas, de artistas, de desportistas, de industriosos, de cuidadores e em geral de pessoas activas que nunca reivindicaram o direito a fazer o que fazem: simplesmente fazem-no. Mas a subsistência sim, para os muitos que não a têm assegurada ela tem de ser reivindicada.
E isto é o que acontece neste nosso tempo: quem quer reivindicar meios de subsistência não o faz directa e assumidamente, reivindica antes o direito ao trabalho. E quem reivindica o direito ao trabalho, na realidade, o que está a fazer é a reivindicar meios de subsistência.
A subsistência disfarça-se de trabalho. O caso de Einstein ilustra-o bem: usou o escritório de Berna como meio de subsistência, enquanto o seu real trabalho era a Física. Mais: o escritório só podia atrapalhar esse trabalho e, assim que pode, ele deixou-o. Ainda bem, os livros de História não nos falam da obra que deixou no escritório, só da que fez no seu tempo “pós-laboral”.
E nós, gentes do início deste século XXI, não ilustramos esta realidade pior do que Einstein. Na maior parte dos casos, o que fazemos nos nossos empregos dificilmente deixará marca de relevo, quer na história do mundo quer na das nossas vidas pessoais. Entreguemos então essas tarefas às máquinas, que já as podem fazer ou poderão muito em breve. Dediquemo-nos, cada um, àquilo por que o seu interior clama (e se for preciso, reaprendamos a escutar esse clamor interior, que os anos de luta pela subsistência nos treinaram para abafar). Dediquemo-nos àquilo a que nos faça realmente sentido dedicarmo-nos. Trabalhemos, se trabalhar for para nós, mas que esse trabalho não seja mais subsistência disfarçada. Que seja, para cada um, a obra especial que sente poder deixar no mundo, e a que preencherá de significado a sua existência.
Ao serviço da subsistência, como o temos, o trabalho ocupa hoje nas nossas vidas um plano muito inferior àquele que deveria ocupar. Temo-lo como meio, em vez de como fim. Servimo-nos dele para sobreviver, em vez de o termos como forma elevada de viver.
No futuro isto mudará. Terá de ser. No futuro, o problema do direito à subsistência terá de ser directamente atendido por um Rendimento Básico Incondicional (RBI). E se o for por um RBI que dê, a todos, garantias de subsistência material não só presentes mas também futuras; um RBI não apropriável por nenhuma elite que o possa colocar ao serviço dos seus próprios interesses; um RBI mantido e controlado pelas pessoas comuns, isto é, um RBI de Todos para Todos (RBI-TT), seremos então finalmente libertados para viver e nos ocuparmos do que nos faça realmente sentido. Ganharemos, enfim, o direito de nos dedicarmos aos trabalhos que sentimos merecer o nosso empenho.
A actual tentativa de se assegurar indirectamente o direito à subsistência através deste chamado “direito ao trabalho” não assegura convenientemente nenhum dos direitos. Atender directamente ao direito à subsistência através de um RBI-TT assegurará não só este como, sem necessidade de qualquer acção adicional, o verdadeiro direito ao trabalho.
Estando garantida a subsistência deixará por fim o trabalho de ser mera necessidade. Será elevado a escolha, a realização pessoal, a aspecto de vida emancipada e plena. Só estando garantida a subsistência será verdadeiramente o trabalho um direito consagrado para todos.
Alguma coisa irá fazer evoluir muito rapidamente o estado actual da política, metida num beco sem saída. Sentados à espera não é boa política. É preciso criar esperança e orientações claras para mobilizar as pessoas. De preferência contra a guerra, as conspirações, a miséria, a discriminação, os estigmas, o abuso.
O RBI TT não resolve nenhum desses problemas. Criará – já está a criar nos círculos em que é entendido – um ambiente social favorável a enfrentar e procurar resolver problemas, em vez de os delegar no estado e nas empresas, cujos interesses, manifestamente, não estão a ser capazes de orientar as sociedades a bom porto.
Portugal, país de dimensão média, o mais antigo estado nacional, dos raros que não têm divisões internas nacionalistas, aberto ao mundo por obrigação e vocação, desejoso de voltar a cumprir papéis históricos como os anunciados por Camões, na senda da nossa costela judaico-cristã, está em excelentes condições de se auto-determinar em voltar a descobrir o caminho (agora não apenas marítimo) para o futuro. Basta abandonar o seguidismo que tem caracterizado as últimas décadas e, sem prescindir da identidade europeia entretanto fortalecida, dar novos mundos (sociais) ao mundo (desgastado com a brutalidade da aliança estado-mercado da versão actual da globalização).
O RBI TT deverá ser integrado num pacote político mais geral para fazer sentido. Essa foi uma frase dita várias vezes no encontro. Por exemplo, poderia estar integrado em campanhas nacionais de combate à corrupção e a evasão fiscal, de realização de uma política de povoamento racional do território, de valorização do trabalho assalariado, de consideração pelo trabalho não remunerado socialmente útil, de condenação do trabalho socialmente nocivo, nomeadamente poluidor, de mau trato de animais, que inclui a humilhação de seres humanos, de combate ao síndrome estigmatizante do desemprego, de abolição das políticas de reprodução da pobreza, como as assistencialistas e as armadilhas, de reconfiguração das políticas contra a pobreza, de respeito pelo direito à habitação imposto pela constituição portuguesas e desrespeitado pelo estado.
Algumas destas políticas foram mencionadas. Mas outras não. Isso mesmo foi notado por um dos oradores que se perguntou por que razão o governo actual, legitimado para reverter as políticas anti-sociais do governo liderado pela Troika, não reverteu os abonos de família universais, abolidos pelo governo anterior? Abono de família que é um protótipo etário do RBI.
Esta pergunta é uma boa entrada para compreender o tabu de parte importante dos oradores – comprometidos com a instável solução governativa contra a possibilidade de novo governo da troika em Portugal. Para eles, o Estado Social, ao menos a palavra, deve ser santificada. Pois é ela que permite construir a unidade política dos partidos e alimentar a esperança da sua base de apoio. E foi precisamente o Estado Social o mote para negar as virtudes, reconhecidas, das ideias implícitas no RBI: simplicidade, desburocratização, liberdade individual mesmo para os que querem usar os seus magros recursos para tomar pequeno almoço fora (surpreendente versão de esquerda da declaração da srª. Jonet a explicar que nem todos podem comer bifes).
O RBI destruiria a esperança do pleno emprego, destruiria o mundo do trabalho e a sua ética própria, as políticas sociais de inclusão dos pobres (pobres de recursos e pobres de espírito), as escolas públicas, criaria classes sociais (?) entre os que não queriam trabalhar e os que trabalhariam, etc. Nada ficaria de pé caso o RBI fosse implementado. Mas ninguém consegue deixar de dizer que se trata de uma ideia atrativa e própria de pessoas compassivas e voluntariosas. O problema seriam os malandros que estão por de trás dessas ideias – quem seriam? E que tinham não só intenções maléficas e perversas, como teriam a capacidade de as por em prática. Tão poderosos que eles são.
Um único exemplo citado, que me recordo, desses malandros foi o presidente Nixon, dos EUA. Exemplo do início das políticas neoliberais que se espalharam pelo mundo desde então. E que não mais tiverem seguidores, no que ao RBI diz respeito. Será um bom exemplo?
Esta teoria da conspiração, para justificar evitar discutir as ideias e as políticas pelo seu valor facial, faz-me lembrar uma anedota que vi no youtube, em que Moisés chega junto dos seus companheiros com as tábuas da lei e lhes afirma que um dos mandamentos que ele recebera de Deus, enquanto fora passear pela montanha, era “Não usarás o nome de Deus em vão!” Os amigos deram uma grande gargalhada e perguntaram-lhe o que ele acabara de fazer, nesse preciso momento? Os nossos preocupados Pedros, que nos chamam a atenção das conspirações, são eles, nesse preciso momento em que nos avisam, os primeiros, senão únicos, conspiradores. O lobo não está a vir: já cá está. São as votações que mostram, mesmo aos cegos, que a serpente já saiu do ovo.
Há uma dinâmica de pequenos passos na discussão do RBI a impor-se na agenda. Falta haver defensores do RBI, ou melhor, de um RBI para agora, já. Um RBI que seja capaz de combater a desesperança própria de um longo e pesado fim de ciclo de longa duração.
Se o RBI-TT for implementado, já, deixará de haver pobres tão economicamente pobres como as condições de recursos actualmente exigidas para ser beneficiário do Rendimento Social de Inserção (RSI). Por isso é que o RBI TT custará tão pouco ao estado, como mostram os cálculos para 2012. Por outro lado, deixará de ser possível aos serviços sociais intrometerem-se na vida dos pobres, porque, como foi reconhecido, ninguém aceitaria as humilhações actualmente impostas sem serem forçadas a tal. O facto de isso ser inaceitável, para alguns defensores das políticas contra a pobreza, revela as suas intenções de controlo social contra os pobres. Teriam, de facto de repensar o que andam a fazer. Talvez dedicarem-se a controlar a vida dos ricos.
Os pobres alimentados pelas políticas de pobreza votam. Talvez votem pouco. Mas votam frequentemente contra os seus próprios interesses. Nos EUA e na Europa. Preferem ser vigarizados pelos fascistas, que os reconhecem simbolicamente como Povo, do que ser humilhados pela caridade hipócrita instalada nas políticas sociais.
A conjuntura política em que a exclusão e a pobreza são desprezadas e discriminadas é uma das causas fundamentais da emergência política da violência nos corações das pessoas e nos votos nas urnas. O RBI TT vai em sentido inverso: substitui a procura das culpas nas ideias fascistas, na ignorância dos pobres que não sabem votar, nas práticas excessivas de consumo dos que não têm rendimentos, nos políticos corruptos, nos estrangeiros, nos terroristas, e em todos os outros fetiches que servem para distrair da recorrente violação dos direitos consagrados na lei, por uma política de corresponsabilidade das pessoas consigo mesmas e com os outros, a nível familiar e local mas também nacional e regional.
Todos os meses haveria écrans por todo o lado com os valores mensais do fundo RBI TT. O rendimento geral obtido pelo sistema, que poderia crescer imediatamente 25%, se é verdade que a economia paralela vale isso em Portugal e se os cidadãos passassem a declarar todos os seus rendimentos, pela simples razão cívica de que seria melhor para todos haver mais rendimento declarado.
Os cidadãos, sobretudo os mais pobres, passariam a estar informados do valor relativo dos milhões de euros, pois aprenderiam a conhecer a correspondência entre o valor do fundo RBI e a prestação recebida pessoalmente na conta do banco. Como passariam a ter que julgar as razões dos que, portugueses (jovens e crianças, por exemplo) ou estrangeiros, reclamariam passar a integrar de pleno direito a população abrangida pelo RBI.
O vigor da proposta RBI resulta do vigor do activismo académico na defesa dessa ideia vaga, que precisa ser concretizada. Os hábitos académicos, de ponderação inacabada e sempre aberta, não se coadunam com a necessidade de tornar o RBI num processo político pragmático. Há que jogar o jogo da política.
O RBI não é um modelo de sociedade. Não concorre com as ideologias. É um modelo de negócio contra o ócio social. Todos passarão a ter o suficiente para viver e, portanto, devem preocupar-se sobre como viver uma melhor vida possível. Para isso, presume-se que as pessoas deixarão de fazer aquilo a que são obrigadas e passam a fazer aquilo que lhes parece mais útil. Passarão a assumir o princípio da subsidiariedade nas suas próprias mãos. Quer dizer, milhões de pequenos problemas que atrapalham o nosso quotidiano tenderão a desaparecer. Pela simples razão de que a liberdade conquistada exige, espontaneamente, responsabilidade, orientação para a vida. Com excepções, certamente. Mas não tantas quantas as que se verificam actualmente.
O ócio social, a apatia social, o alheamento político, têm permitido a economia e o estado tornarem-se os únicos sujeitos da história recente. A tal ponto que há quem sonhe com revoluções. Com o ressurgimento do Povo, o místico soberano da modernidade. O RBI é um modo de financiar o trabalho de auto-cuidados e de apoio mútuo entre as pessoas, tornando-as mais disponíveis para assumir a sua dignidade e os seus direitos, em vez de deixar as teorias jurídicas favoráveis aos direitos nos tinteiros, sem aplicação prática.
O terrível exemplo dos refugiados é a prova provada da degradação dos valores europeus. Não por pressão do terrorismo. Mas por efeito da desresponsabilização dos estados e das sociedades do respeito pela humanidade, em nome da economia.
A híper especialização académica permite as universidades terem ficado alheias às crises dos refugiados, aos ataques políticos à liberdade de expressão e ensino na Turquia, ao crescimento da xenofobia na política europeia, e a todos os grandes temas da sociedade. Estamos habituados a reagir cada um na sua disciplina e subdisciplina. O RBI tornou-se um tema subdisciplinar. A maioria dos seus praticantes são aspirantes a conselheiros do príncipe. Tão romântico!
A verdade é que as universidades têm sido, seria de estranhar outra coisa, um dos mais fortes bastiões do discurso único. Sobretudo as ciências sociais e, dentro destas, a economia e a gestão. Não será possível organizar um debate político RBI fora das universidades? Sem excluir ninguém? Eis um desafio para a sociedade civil. Lá onde ela possa estar.
O RBI TT corresponderá a uma delegação de soberania do estado para as pessoas, no sentido inverso do que aconteceu em Portugal com a segurança social. Esta foi criada como nacionalização e universalização dos esquemas de segurança social privados existentes. Os fundos da segurança social gerados pelos trabalhadores e seus patrões tem sido administrado pelo estado quase como se fosse coisa sua, tantas vezes os orçamentos lá foram buscar dinheiro que nunca repuseram. O RBI TT usaria a mesma disponibilidade do estado de servir de fiel depositário de um fundo RBI, mas a distribuição dos resultados desse fundo seria imediata. O RBI não poderia ser utilizado para outros fins que não a atribuição a cada cidadão da sua quota parte equitativa do bolo gerado, mensalmente. O fundo ficaria seco, tão depressa quanto fosse possível enchê-lo. Rapidez permitida pela rapidez actual das manobras financeiras.
Seriam as pessoas a encher, todos os meses, como pagam actualmente o seu IRS, o fundo RBI. Seriam todas as pessoas quem beneficiaria do RBI, no mesmo dia que pagavam a sua parte. Não seria o estado a produzir dinheiro para oferecer às pessoas. O estado apenas ofereceria os serviços actualmente organizados para realizar o IRS para gerir o RBI. E dispensaria as pessoas de pagar o IRS, que seria, do ponto de vista de cada uma, substituído pelo RBI.
Para implementar uma coisa destas não basta um acordo entre os universitários ou os partidos. É preciso uma decisão democrática de legitimidade irrepreensível e, portanto, uma campanha política para que as pessoas estejam em condições de assumir a sua quota parte de responsabilidade política. Descontando esta condição, em termos estritamente técnicos, objectivamente – como se costuma dizer –, o RBI TT é de aplicação imediata.
É verdade que o estado pode reclamar ter perdas na aplicação de tal medida. Para 2012, as perdas foram calculadas em 2 mil milhões de euros. Verba que pode ser recuperada pelo estado através dos efeitos previsíveis de redução de despesas de saúde e segurança causadas pela miséria. Mais a prazo, o estado beneficiaria em despesas de educação, na medida em que a miséria das crianças desperdiça muitos dos esforços educativos investidos nelas. No limite, o próprio fundo RBI estaria em condições de pagar essa verba, diminuindo o valor das prestações proporcionalmente. Nesse caso, poder-se-ia reclamar, em contrapartida, que o estado fizesse os cálculos da redução das despesas nos aspectos referidos e que devolvesse esse valor, depois de consumado o benefício, ao fundo RBI. Como se fosse dividendo do mérito do novo comportamento das pessoas que decidiram pôr em prática uma medida tão saudável. Estou convencido que seria um excelente investimento da sociedade. Caso o estado se comportasse como uma pessoa de bem.
O Rendimento Básico Incondicional (RBI) é um termo enjeux, como dizem os franceses. Está em jogo. É atirado de um lado para o outro, para ver qual será a forma final que virá a ser adoptada pela política, que é o campo onde as coisas se decidem.
O RBI é, de momento, vítima de uma polissemia. Uns, a maioria, entendem-no como um sistema de oferta de subsídios pelo estado. Entre esses, há os que temem pelo impacto que um tal subsídio teria no controlo social. O facto de poder passar a ideia para os pobres que deixava de ser preciso obedecer aos doutores que os controlam através das políticas sociais, argumentam com razão, iria causar perturbações nas actuais estratégias de controlo ensinadas nas universidades e utilizadas pelos trabalhadores sociais. Perturbações que já existem no terreno, dadas as dificuldades práticas para o exercício desse controlo.
Há, porém, uma outra forma de entender o RBI: como um direito social gerado pela luta contra o actual sistema punitivo, a favor do reforço positivo como método prioritário para regular a vida social. A luta contra o fascismo a favor da democracia. O direito à dignidade de todos e cada um, já reconhecido constitucionalmente, mas negado na prática. Um direito que afecte a todos e não apenas os pobres. Um acto de generosidade: o reconhecimento de que todos estamos integrados na mesma sociedade, embora a manutenção das desigualdades sociais resista ao desenvolvimento que todos aspiramos. Viver em humanidade universal.
Uma das características das sociedades actuais é a sua capacidade de recuperar, de adaptar, ideias emancipatórias ao conservadorismo vigente. Ora, o RBI também sofre dos esforços de recuperação que todas as ideias e acções sofrem. Por isso se ouvem discursos a reconhecer a radicalidade da ideia, para logo transformar a discussão numa avaliação das intenções das pessoas más, como os neoliberais, por exemplo, ou os pobres a querem escapar dos controlos sociais. Um outro aspecto da mesma estratégia de evitar o debate é tornar o RBI inimigo das actuais políticas sociais e trabalhistas, quando a realidade é distinta. O RBI pode ser, dependente do modo como for entendido e aplicado, um instrumento de controlo social – por exemplo, se for um modo de continuar a aprofundar a degradação dos serviços sociais e dos direitos do trabalho –; ou pode ser uma forma de dispensar as políticas sociais de retaguarda, as que reduzem a situação dos desempregados e dos que não têm acesso ao mercado de trabalho ao isolamento social e à depressão que se vivem nos bairros sociais. E cada vez mais por outros lugares.
A ideia do RBI tem centenas de anos. A situação actual da ineficácia das políticas sociais para a integração é que a tornou interessante. A defesa do status quo ou daquilo que agora se diz que já foi o estado social (estado de onde viemos para chegar aqui) está a desarmar as forças progressivas. Recusar entrar no debate do RBI e recusar contruir, a esse propósito, uma política emancipatória, como se pode explicar a não ser por inércia?
A ideia de uma frente militarizada, disciplinada, para fazer a luta de classes, foi a componente de esquerda para as democracias ocidentais. Ideia que favorece a disciplina laboral e desqualifica quem não trabalhe. Do mesmo modo que um grupo militar desenvolve um espírito de corpo e excluiu quem não faça parte do mesmo. O controlo social, as actuais políticas sociais, deste ponto de vista, são uma versão suave do sistema penitenciário, onde se reeducam os que não trabalham. Entende-se, assim, o descontrolo emocional expresso quando se fala de questionar o valor social do estado social ou o controlo social das políticas da pobreza. Será possível organizar um debate racional a este respeito?
Será a metodologia de produção de listas de eventuais custos e benefícios, segundo a técnica de gestão em moda, uma forma racional de pensar a questão? O RBI não é (não deve ser) um modelo de negócio de ajuda ao desenvolvimento dos pobres. Não deve ser testado para avaliar a expectativa de benefícios de quem esteja em condições de os acumular, privados ou estados. É (deve ser entendido como) uma estratégia política de emancipação das pessoas e das sociedades perante os limites e riscos da actual fase da globalização. Requer vontade, confiança e determinação para tornar irreversível os processos de libertação que vierem a ocorrer a partir da decisão política de admitir o RBI. Vontade e confiança a construir politicamente. Admitir a corresponsabilização de todos e cada um pela procura de soluções para os múltiplos problemas existentes. Em vez de arranjar bodes expiatórios e continuar a fazer a vidinha do costume.
Não se requer um método de diagnóstico, avaliação de potencialidades e desafios, oportunidades e obstáculos, benefícios e custos, prós e contras do RBI. Requere-se um processo constituinte de vontade política capaz de assegurar a decisão democrática, portanto informada, sobre o que caiba a cada um fazer à entrada em vigor do RBI.
Por exemplo, o RBI deverá ou não substituir as diferentes componentes do estado social? Se o debate vier a consagrar este dilema e houver oportunidade dos eleitores votarem a esse respeito, eu voto não. Caso a discussão se generalize e se politize, duvido que esse seja o principal dilema. O primeiro problema será saber quem vai pagar o RBI: o estado? Os riscos? Todos nós?
É aqui que entra o RBI TT. Pagamos todos nós. Para afirmar e assegurar a prioridade à solidariedade social entre todos, e para encetar uma discussão quotidiana sobre o valor do rendimento de toda a sociedade e sobre o valor do trabalho, incluindo aquele que não produz rendimentos e, também, aquele que produz rendimento, mas é nocivo à sociedade.
Ser o estado ou privados a pagar limita as opções políticas futuras à maximização da produção de impostos e de dividendos. Reforça a aliança entre estados e mercados. As economias humanas, a compaixão, a educação, o respeito, a orientação, a participação política, ficariam fora da equação. Com o RBI TT caberia às pessoas avaliar, na sua vida e na vida dos seus mais próximos – bem como na vida dos que aparecem em destaque público – os méritos absolutos e relativos das respectivas vidas. Vidas tomadas no seu todo, tendo em conta, claro, os rendimentos produzidos. Mas não só. Tendo em conta a capacidade preventiva de problemas sociais e de orientação para as vidas vindouras. Para os pobres e para os ricos.
O RBI TT não é uma proposta política concorrente com as políticas contra a pobreza. É uma política de promoção da igual dignidade de qualquer e todo o cidadão que, como bónus, pode acabar com a miséria, de forma imediata. Denuncia-se, assim, a falta de vontade política vigente em concretizar aquilo que pode ser concretizado.
É claro que o RBI terá um impacto nas actuais políticas de controlo dos pobres, pois estes deixam de estar obrigados a fingir que aceitam os contratos impostos pelo estado para terem direito aos subsídios de subsistência. E, em consequência, perdem validade as críticas daqueles que gostariam de ver o espírito das leis a vingar no terreno, onde os profissionais se confrontam com as impossibilidades práticas de realização dos programas de integração social dos pobres, por sua vez presos nas armadilhas da pobreza.
O RBI imporá o fim do assistencialismo crónico. Isso é mau? O RBI irá promover os programas e trabalhadores sociais que respeitam a dignidade dos pobres. E colocará em sérias dificuldades os que não a respeitarem. Isso é bom.
O RBI de todos para todos (RBI TT), cujos cálculos para 2012 mencionavam um rendimento de 435 euros por adulto a viver em Portugal, com base na redistribuição dos rendimentos declarados e na abolição do IRS, sem outras consequências fiscais ou legais, não está a ser considerado pelos fazedores de listas e avaliações de propostas RBI. Apesar dele ter sido apresentado na Assembleia da República. Apesar de ter sido escrita uma proposta de aplicação autárquica da mesma ideia, com vista à organização da mobilização política indispensável ao processo democrático.
Compreendem-se os embaraços e as incompreensões. Mas vale a pena continuar a insistir em romper com o cerco político à proposta.
O Rendimento Básico Incondicional (RBI) pode ser um factor de diferenciação de um país na União Europeia e no mundo. Se for um exemplo de como abrir uma janela para fora da crise financeira e política que se vive. Se for capaz de mostrar que é possível, imediatamente, começar a transferir soberania, ao mesmo tempo, para instâncias transnacionais – a chamada globalização – e para o povo, o grande perdedor das últimas décadas. Com os efeitos de descrispação política que se podem esperar de tal nova oportunidade para a democracia. Resultará na melhoria geral das condições de vida das populações, sem prejudicar a abertura ao mundo.
Portugal, país de dimensão intermédia e exemplo de excepção política contra o discurso único, será capaz de manter a sua posição sem dar nova dimensão e sustentabilidade à estratégia de ruptura com a austeridade? O RBI é uma oportunidade para Portugal se autonomizar, politica e economicamente, das políticas punitivas da EU. Ao mesmo tempo que sugere aos seus parceiros uma forma de integração política à volta do respeito pelas vontades dos povos europeus – desrespeito que, em larga medida, está na base da desorientação actual.
Caso se conceba o RBI como RBI de todos para todos (RBI TT), isso dispensa experimentalismos. Reclama, evidentemente, decisões políticas legitimadas. A partir do governo ou resultante de campanhas referendárias. Ou de uma União Europeia democrática, radicalmente diferente da que existe hoje.
Há quatro dificuldades políticas, que explicam a falta de imaginação com que o RBI é muitas vezes tratado: a) a atitude defensiva dos democratas perante a perda de hegemonia política dos estados nacionais face às respectivas sociedades, actualmente mantidas reféns das políticas financeiras anti-democráticas; isto é, a incapacidade dos estados alterarem os comportamentos anti-democráticos da UE; b) o medo da mudança de sectores profissionais, nomeadamente no sector social, que antecipam a necessidade de reconversão e não têm nenhuma ideia de qual possa ser, a não ser os despedimentos; c) as auto-limitações dos académicos, que são o grosso do movimento pró-RBI, treinados em perspectivas tecnocráticas, habituados a manterem-se alheados dos debates de igual para igual com os políticos profissionais; d) o efeito emocional do discurso único que concebe a riqueza como o único critério de soberania e avaliação e, nessa medida, produz uma ideia de hierarquização da capacidade de auto-determinação pessoal e social que torna os seres humanos no fim da escala meros objectos (falhados, endividados, preguiçosos); e os do meio da escala meros serviçais dos planos corporativos e da globalização.
O RBI TT é uma estratégia económica para ajudar a enfrentar democraticamente os problemas, em vez de procurar culpados nos políticos ou nos estrangeiros. Potencia a cooperação, a solidariedade, o activismo, cultural, social e económico, incluindo a participação política. Pode ser adoptado local ou nacionalmente. Não depende de experiências e avaliações, mas antes da vontade e confiança políticas.
Para os Antigos existia uma Liberdade Coletiva para a procura da Verdade e da sociedade ideal, a Utopia. Na atualidade o que existe é uma Liberdade individual traduzida maioritariamente na procura do bem-estar pessoal e material.
A questão que se coloca é saber se o ser humano tem um verdadeiro livre-arbítrio ou está condicionado num mundo determinista? De qualquer forma, devemos sonhar e “a melhor forma de prever o futuro, é realizá-lo.”
O advento da 4ª Revolução Industrial está aí à porta, com as áreas mais disruptivas designadas por GNRIA, Genética, Nanotecnologias, Robótica e Inteligência Artificial. Mais do que as áreas em si, vão ser as suas interseções que vão alterar tudo. O futuro pode ser fascinante e aterrador ao mesmo tempo. E um dos efeitos secundários avançado em vários estudos será o aumento exponencial do desemprego.
Não sendo uma solução nova, o RBI – Rendimento Básico Incondicional estava associado a algo utópico. No entanto, começa a ser cada vez mais apontado como uma possível solução futura contra o desemprego galopante que se avizinha. Neste momento, tem apoios à esquerda e à direita, e oposições à esquerda e à direita, o que revela a sua pertinência.
A democracia sofre hoje os ataques da alta finança, do radicalismo islâmico e dos populismos. Não sendo o RBI uma panaceia que tudo pode resolver, será uma forma de dar mais poder às pessoas e portanto dar-lhes mais Liberdade. Mais, poderia ser a sociedade civil a desenvolver um RBI sem a tutela do Estado, como defende o Movimento RBI-TT - Rendimento Básico Incondicional de Todos para Todos.