Decrescimento: uma proposta política para contextualizar o RBI
O movimento do decrescimento teve origem nos anos 1970 no pensamento pós-desenvolvimentista e nos trabalhos de economistas desalinhados das correntes hegemónicas da economia ocidental, nomeadamente de Nicholas Georgescu-Roegen (que é considerado o proponente do termo decrescimento e introduziu o conceito de bio-economia) e dos membros do chamado ‘Clube de Roma’ que publicaram o famoso relatório ‘The limits of growth’ (1972). A transformação daquele pensamento num movimento mais consistente acontece apenas nos anos 2000, principalmente em França, como resultado dos trabalhos de economistas e ecologistas políticos como Serge Latouche, Paul Ariès, Vincent Cheynet e Joan-Martinez Alier. O termo decrescimento surge como um slogan político que traduz uma crítica radical à ideologia do crescimento económico baseado no consumo compulsivo e no produtivismo industrial que aqueles autores consideram estar na origem das crises ambiental (alterações climáticas, extinção de biodiversidade, destruição de ecossistemas, ultrapassagem de limites geofísicos) e social (desigualdade de distribuição de rendimentos, desequilíbrios Norte-Sul) à escala global. Os decrescimentistas atribuem à ‘Religião do Economismo’ uma visão enviesada e insustentável que baseou a robustez da economia e o bem-estar social num crescimento económico medido por indicadores distorcidos, como o PIB, e assente na externalização dos custos ambientais. O movimento põe em causa o (hiper)consumismo, a mercantilização, a globalização destrutiva e o sistema financeiro desregulado, por considerar que conduziram ao esgotamento irreversível de recursos e à destruição ambiental. As ligações entre o modelo económico e a crise ambiental têm sido aliás defendidas por inúmeros pensadores e activistas – p.ex. Hervé Kempf (Para salvar o planeta livrem-se do capitalismo, 2009), Naomi Klein (This changes everything, 2015), Richard Heinberg (The end of growth, 2011) e até o Papa Francisco na encíclica Laudato Si (2015). Segundo os partidários do decrescimento, os pilares em que assenta o sistema económico são o acesso a fontes de energia barata (combustíveis fósseis), a disponibilidade de crédito e o endividamento, a obsolescência programada e a publicidade/marketing, que geraram sociedades viciadas em consumo e desperdício. A crítica radical dos mitos da modernidade - o desenvolvimento, o progresso tecnológico, a abundância derivada da inovação mercantil, a felicidade material – não é nem saudosista, nem anti-civilizatória. O movimento propõe uma desaceleração progressiva dos ritmos de produção e consumo e uma redefinição do bem-estar baseada na frugalidade e simplicidade voluntárias, e na valorização dos bens relacionais e da convivialidade. Alguns autores têm proposto conjuntos de medidas concretas que não cabe aqui detalhar, mas que incluem a relocalização das actividades económicas, a aposta em cooperativas e na agricultura familiar, a promoção de actividades económicas com efeitos ambiental e socialmente benéficos ou a promoção de formas de democracia participativa (ver p.ex. livro de S. Latouche referido abaixo). O decrescimento propõe em suma aquilo que apelida de uma utopia concreta e uma revolução serena: uma nova ética de responsabilidade dos seres humanos entre si, presentes e futuros, e na sua relação com os restantes seres vivos e ecossistemas dos quais dependem.
A abrangência do programa político do decrescimento parece-me fornecer o contexto adequado para o lançamento duma proposta de RBI e aproxima-se na sua essência dos principais desideratos dos seus proponentes: a reapropriação colectiva dos comuns, a dignificação e re-humanização do trabalho, e a mitigação do desemprego, da precariedade laboral, da pobreza e das desigualdades. Mas mais importante ainda, a contextualização do RBI no âmbito duma agenda decrescimentista impediria que se consumassem as derivas liberais apontadas por alguns dos críticos do RBI, como a destruição do Estado Social e a promoção do consumismo. Em 2016 foi aliás organizada uma conferência internacional em Hamburgo para promover o diálogo entre os dois movimentos (https://ubi-degrowth.eu/). Creio que a promoção de um amplo movimento de base democrática que reúna as propostas do decrescimento com uma versão progressista do RBI tem sérias hipóteses de inflectir o rumo actual das sociedades do Norte global numa via conducente a uma sustentabilidade ambiental, económica e social, credível e duradoura.
Álvaro Fonseca
http://transicao_ou_disrupcao.blogs.sapo.pt/
Fontes de informação complementar:
Livros, artigos e sites sobre DC:
- Serge Latouche, ‘Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno’ (Petit traité de la décroissance sereine, 2007): http://www.edicoes70.pt/site/node/329
- Giorgos Kallis, In defence of degrowth (2017): https://indefenseofdegrowth.com/
- ‘Degrowth: a vocabulary for a new era’ (2015-2017): https://vocabulary.degrowth.org/
- Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Decrescimento_(economia) https://fr.wikipedia.org/wiki/D%C3%A9croissance_(%C3%A9conomie)
- Joan Martinez Alier, Decrescimento económico socialmente sustentável (2009):
http://arquivo.gaia.org.pt/decrescimento/martinezalier
- Para compreender o “Decrescimento”, Alan Bocato-Franco (2013):
http://outraspalavras.net/posts/para-compreender-o-decrescimento-sem-preconceitos/
- França: http://www.decroissance.org/ e Revista: http://www.ladecroissance.net/
- Partido pelo decrescimento (França): http://www.partipourladecroissance.net/
- Espanha: http://www.decrecimiento.info/
- Itália: http://www.decrescita.com/
- Suiça: http://www.decroissance.ch/index.php/Accueil
- Brasil: http://decrescimentobrasil.blogspot.pt/
- Canadá: http://degrowthcanada.wordpress.com/
- Internacional: https://degrowth.org/
Artigos sobre RBI e DC:
- Entrevista com Vincent Liegey, co-autor do livro ‘A Degrowth Project: Manifesto for an Unconditional Autonomy Allowance’ (Utopia, 2013) e do site http://www.projet-decroissance.net/, que promove a instauração de uma dotação incondicional parcialmente desmonetizada, distribuída sob a forma de direitos de uso de recursos e em moeda local (2014): https://co-munity.net/basic-income/stirring-papers/basic-income-and-degrowth-project
- Degrowth with basic income – the radical combination, J.O. Andersson (Sep2012):
https://www.academia.edu/4589424/Degrowth_with_basic_income_the_radical_combination
http://www.bien2012.de/sites/default/files/paper_237_en.pdf
- Degrowth and Unconditional Basic Income (UBI), S. Füsers and R. Blaschke (2014):
https://ecobytes.net/basic-income/stirring-papers/degrowth-and-unconditional-basic-income
Vídeos:
- ‘Our addiction to economic growth is killing us’, antropólogo Jason Hickel da LSE (BBC-Viewsnight, 2017): https://youtu.be/HckWP75yk9g (2 min)
- ‘Decrescimento: do Mito da Abundância à Simplicidade Voluntária’ (Luís e Manu Picazo Casariego, 2016): https://youtu.be/ChclL1naMvY (52 min)
- La décroissance, qu'est-ce que c'est ? (Le Monde, 2014):
- Decrescimento: O que é essa palavra repulsiva? (V. Liegey, 2012) (Francês c/ leg. PT):
http://www.youtube.com/watch?v=kWEBVdxppGs (5 min)
- El decrecimiento en 1 minuto: https://redecofeminista.wordpress.com/2013/09/11/el-decrecimiento-en-1-minuto/
Artigos sobre crise ecológica e modelo económico:
- Why Climate Change Isn’t Our Biggest Environmental Problem, And Why Technology Won’t Save Us, by Richard Heinberg (2017):
- O hiperrealismo das mudanças climáticas e as várias faces do negacionismo, Déborah Danowski (2010/2012): http://www.culturaebarbarie.org/sopro/outros/hiperrealismo.html#.WRXXOtQrLUI
- Econocene: the modern era of economism as religious belief, R. Norgaard (2015):
http://www.countercurrents.org/norgaard301215.htm
- False promise: economic growth is coupled with destruction, G. Monbiot (2015):
http://www.monbiot.com/2015/11/24/false-promise/
- Inhospitable planet, G. Monbiot (2015):
http://www.monbiot.com/2015/09/29/inhospitable-planet/
- Only less will do, R. Heinberg (2015):
http://www.countercurrents.org/heinberg220315.htm
- How clean is ‘clean energy’? Renewables cannot solve the global crisis, Saral Sarkar:
- The solution to the global crisis of capitalism is simplicity itself - Toward the post-capitalist revolution, Ted Trainer (2017):